domingo, 10 de abril de 2016

o tempo

quem já não viveu uma intensa saudade e desta saudade não nasceu um sinal? assim do nada? uma carta? um e-mail? um telefonema? e agora, mais atualmente, um whatsapp ? pois é... aconteceu comigo... de novo! às vezes, acho que o pensamento tem mesmo uma força magnética. grande. capaz até de atravessar um oceano. o meu às vezes atravessa o tempo. já ouvi um dia que sou 'atemporal'... e também já ouvi que ninguém é capaz de sustentar-se fora do tempo. eu, certamente não sou! acordei com aquele aperto no peito. conhecido e velho como eu mesma. trazendo o barulho do silêncio vazio, me mostrando que lembranças são mesmo eternas, onde quer que elas estejam! pode ser que este aperto não tenha realmente começado apenas hoje, pode ser que hoje ele apenas tenha se materializado... e se materializou em palavras, pois há tempos descobri que palavras não bastam, que o medo não se afasta nunca de fato e que nossa história continua ali, parada no tempo, no meu tempo onde ela se complicou... como ouvi numa música enquanto descia distraída a ladeira que me separam da cidade chamada baixa: 'a maldade do tempo fez eu me afastar de você'; ou seria o contrário? a maldade do tempo entre nós - enorme - fez mesmo você se afastar de mim! e agora? não tem mesmo muito o que eu possa fazer a não ser esperar por ele... pelo tempo... esse mesmo que fez tudo se complicar, que colocou em lados opostos expectativas que pareceram tão próximas, este tempo que nunca se justificou, que me faz olhar no espelho todos os dias e me dar conta de que não existe história real, exceto aquela que eu inventei... este mesmo tempo que te levou e agora deverá me salvar. será??? estou aqui reescrevendo minha história (ou pelo menos tentando), deixando meu cabelo crescer, tentando escrever um diário (meio que numa tentativa idiota em manter o tempo preso), caminhando para não viver em círculos, fotografando para não deixar o presente escapar (como se logo no instante seguinte ele mesmo já não virasse passado), fazendo pequenas rotas de fuga (como um curso, um discurso, um texto ou um pretexto)... enfim, ainda aqui! sempre aqui! será??? como pude assim, tão perto, me perder tanto de mim? e você? por onde anda será???

domingo, 3 de abril de 2016

uma páscoa no Albardão !

a travessia do cassino ao farol do albardão, mesmo sem muito preparo de minha parte, acabou se tornando uma aventura que posso comparar à forma de viver minha vida. aceitando o convite de um grupo desconhecido para mais uma 'indiada', como alguns de meus amigos e familiares intitulam aquilo que para mim é vital, arrumei o que achava ser uma boa mochila e coloquei o pé na estrada. percebi ao longo do encontro que éramos um grupo maduro, de gente tão parecida comigo e minha visão sobre a vida assim que começamos a nos apresentar naquele ônibus, que nos conduziria à primeira metade de nosso destino - a praia do Cassino - litoral sul do estado, conhecido por suas enormes extensões de areia e deserto; um lugar inóspito e ventoso, onde poucas vezes eu mesma já tinha ido. ali conheci, ainda superficialmente, uma galera que, assim como eu, sente uma 'coceira' desenfreada pela estrada, pelo caminhar, pelo caminho. gente que olha o mundo melhor através das lentes de suas máquinas fotográficas e que faz a leitura daquilo que que lhes é importante no contato com lugares diferentes, pouco visitados e muito distante das realidades de shoppings e cidades populosas. gente que, assim como eu, prefere a solidão de uma vida andada ao lado de desconhecidos, do que muitas vezes a certeza do que se vai encontrar quando buscamos as mesmas pessoas e os mesmos lugares. no entanto, como vim a perceber mais adiante, só conhecemos mesmo uns aos outros, quando a necessidade de apoio mútuo, solidariedade e generosidade, começam a fazer parte da jornada humana; exatamente como ocorreu durante nossa travessia do cassino ao albardão e lá mesmo no deserto, atravessando suas areias solitárias, debaixo de chuva, vento, sol, calor, frio, e mais vento... a minha percepção sobre a aventura começou logo depois de nosso almoço, ainda na praia do Cassino. até ali eu realmente não fazia muito ideia do que íamos viver, até porque, como mais uma vez me dei conta, não costumo me debruçar muito sobre roteiros de trilhas, mesmo depois de me inscrever nelas. parto sempre do princípio de que alguém sabe o que está fazendo e conto sempre com a minha natural e conhecida sorte, para que tudo sempre saia bem, como de fato sempre acontece. desta vez não foi muito diferente! concordei e assinei os papeis do cronograma todo, sem realmente me preocupar em olhar mapas, roteiros, entender antecipadamente para onde estava indo ou o que realmente iria encontrar. sem barraca, sem lanterna, sem prospectos e sem muito conhecimento real do lugar, me lancei na aventura de estar onde deveria estar, pelo simples fato de ter escolhido estar ... coisas bem Jacqueline... as areias intermináveis que sustentam os 145 quilômetros de estrada (ou deveria chamar de beira-mar), que nos ligava até o farol do Albardão desde o Cassino, foram percorridas em longas quase quatro horas. poderia descrever este período como um espaço de tempo em que chacoalhávamos no interior da camionete 4X4 do querido amigo Zé, responsável por nos levar (e aos nossos equipamentos) em segurança, através de diversas paradas até o Albardão.
o que posso contar é que foi uma viagem interessante, tanto do ponto de vista do espetáculo - não me cansei de observar as distâncias horizontais e brancas, entrecortadas vez ou outra por alguma vegetação rasteira descortinando os cataventos gigantes do parque eólico do Cassino,
bem como impossível não se encantar com as diversas espécies coloridas de pássaros que sobrevoavam nossa camionete, realizando vôos rasantes e aterrissagens maravilhosas !
simultaneamente, iam saltando aos nossos olhos deslumbrados, inúmeras embarcações encalhadas há dezenas de anos, possibilitando paradas estratégicas às nossas lentes curiosas...dá para comentar aqui que a visão do famoso 'Altair' (navio afundado na década de setenta) cujos restos mortais ainda despontam na praia quando a maré está um pouco mais baixa, me encheram de emoção e alegria, ainda que um pouco desapontada por não revelá-lo completamente na ida (isso é outro capítulo, pois a viagem também me ensinou que nada melhor do que um dia após o outro), uma vez que ao voltarmos de viagem, lá estava ele - completamente descortinado - exatamente como já havia visto antes em outras publicações, para o deleite completo de nossas máquinas fotográficas !
entre restos de embarcações, passarinhadas, parques eólicos deixados para trás, quilômetros e quilômetros de areia branca e espuma, muito vento, areia e conversas entabuladas para passarmos as horas num convívio forçado (mas já bastante prazeroso) ia seguindo nossa viagem! eu me distraía entre tentar conhecer melhor um pouco meus parceiros de jornada, lhe ouvindo as histórias e contando-lhes as minhas; e mirando aquela praia tão remota, esperando ansiosamente por vislumbrar o tal farol. por diversos momentos nosso condutor parava a camionete e descia, entrando em imensas poças d'água, deixadas como rastros na areia do mar, identificando qual a melhor maneira de atravessá-las. nestes momentos ele examinava a 'fundura' das águas numa clara demonstração de que sabia bem o que estava fazendo. entre essas vezes, nós nos deleitávamos a fotografar e brincar com a imaginação, entrevendo como nos viraríamos se por acaso não conseguíssemos passar, ou ficássemos atolados, ou ainda, molhássemos todo o equipamento que viajava conosco num reboque logo atrás. nada disso realmente sucedeu. transitamos sãs e salvos pela habilidade e experiência do Zé, que nos conduziu em segurança até o famoso Farol do Albardão! (abaixo meu primeiro 'vistazo' deste, que acabou sendo nosso abrigo, por mais de uma noite, afinal !!!)
a ideia original de acamparmos no deserto, debaixo das figueiras centenárias naquela noite ainda, logo foi substituída por outra, que ocorreu de uma pergunta que fiz ao Zé, quando avistei o Albardão: haveria problemas em acamparmos ali mesmo, ao invés de no deserto, como era de fato, a primeira intenção? na verdade minha pergunta foi acolhida como sinônimo de plano B por nosso guia, sendo colocada ao grupo como alternativa devido ao tempo e às condições em que chegávamos ao farol. é fato que já estava praticamente escurecendo, o vento parecia aumentar a cada minuto e ninguém poderia realmente nos assegurar de que não iria chover, o que minimizava muito nossas chances de um acampamento tranquilo, caso resolvêssemos seguir o plano original. nunca saberei ao certo como teria sido esta experiência, pois a ideia nova foi acolhida por todos como a melhor escolha a se fazer diante do cansaço em que estávamos e da perspectiva de caminharmos mais uns oito quilômetros deserto adentro, com todo o equipamento de camping nas costas, numa situação de tempo que ia ficando cada vez menos favorável... o bom senso nos fez pedir guarida no Farol do Albardão e por ali mesmo acantonamos. o farol, que serve como ponto de referência para navegadores dos mares do sul,nos serviu perfeitamente como abrigo de aventureiros, exatamente como faz com peregrinos que se lançam a desafios como o nosso, muitas vezes atravessando a pé os muitos quilômetros que havíamos acabado de realizar a bordo do 4X4. a sensação de ficar ali foi mesmo uma mistura de alívio com frustração; afinal, não realizaríamos o que havíamos planejado ao sair de Porto Alegre. minha sensação, no entanto, talvez tenha sido um pouco maior, pois a ideia pareceu ter surgido da minha pergunta (confesso aqui ter ficado um pouco embaraçada diante da perspectiva de estar frustrando os planos de outra pessoa, mas isto também ficará sempre apenas na minha imaginação) :) de qualquer modo, a acolhida no farol foi mesmo maravilhosa. havia na casa dois aventureiros motoqueiros que também haviam pedido abrigo aos militares. Ah! esqueci de contar que o Farol do Albardão é uma reserva da Marinha Brasileira que, apesar de servir de guarida para os que passam por ali eventualmente, é um local de entrada proibida e só passam por queles portões, pessoas antecipadamente autorizadas pelos oficiais. A noite transcorreu muito tranquila, apesar do tempo revelar-se não muito amistoso. ventava bastante quando saímos a caminhar ainda naquela noite, deserto adentro, munidos apenas de lanternas e, no meu caso, chinelos, para uma aventura rumo ao desconhecido. nada se via realmente durante a caminhada, exceto as luzes longínquas das lanternas (de quem tinha, claro) e o feixe de luz emanado pelo próprio farol. o certo é que nos guiávamos muito mais pelos sons das risadas abafadas pelo murmúrio do vento e pela certeza de que nada nos aconteceria, exceto a sorte de porventura vislumbrar a lua, caso as densas nuvens dessem algum espaço para ela no céu... minha constatação mais óbvia logo nos primeiros passos foi de que nunca deveria ter iniciado aquela trilha sem meus tênis, a contar pelo número incrível de pega-pegas que fui colecionando pelo caminho. logo, porém, me encontrava nas areias fofas do deserto, longe das terras proibidas do farol, pulando cercas e adentrando a escuridão. eu não tinha bem certeza de onde estávamos. não havia ouvido as instruções e nem mesmo havia saído junto com todos no grupo. havia ficado para trás numa de minhas inúteis tentativas de fotografar algo na escuridão, não considerando as limitações obvias de minha super zoom e as minhas como fotógrafa, é claro! (abaixo o que consegui fotografar no deserto à noite)
o vento provavelmente duplicou na madrugada e a chuva disparou sobre nós. estávamos , no entanto, bem abrigados na casa de hospedagem do farol. meu saco de dormir foi bem suficiente jogado sob o chão duro do quarto onde estava com mais quatro companheiras. a excitação da caminhada noturna e a perspectiva de acordarmos ainda na madrugada no dia seguinte para iniciarmos nossa trilha pelo deserto fez com que dormíssemos cedo. a manhã seguinte veio com muita chuva e vento. nos preparamos para o que seria uma caminhada longa e talvez um pouco dura devido às condições climáticas. não nos preparamos, no entanto, para o que realmente enfrentamos no caminho. sem mochila de ataque para carregar um pouco melhor as coisas, resolvi levar um pequeno cantil de água e um saco de bolachas para o que imaginei seriam oito quilômetros de ida até as árvores centenárias e mais oito quilômetros de volta pela lagoa das mangueiras. coloquei no bolso ainda um queijo tipo polenghinho e decidi, com o coração partido, não levar a máquina fotográfica; optando pelo celular no bolso do casaco, na legítima intenção de não carregar muito peso e protegê-la, caso a chuva que caía, aumentasse ao longo do trajeto. sem mala de proteção acreditei que era o melhor a fazer pela máquina e, olhando agora, penso que foi uma boa ideia, afinal... o caminho pelo deserto iniciou pouco depois das cinco da manhã, após termos comido alguma coisa no farol e eu conseguido uma xícara de café preto! apostei nas bolachinhas que levei como salva-vidas até voltarmos seguros para o almoço. iniciamos uma suave caminhada pelos arredores do farol, ainda que impulsionados por um vento forte que soprava em nossas costas e alguma chuva que teimava em se precipitar sobre a gente. caminhamos assim até pularmos novamente as cercas de arame farpado que dividem o farol do deserto propriamente dito. lembro de observar que o farol se distanciava mais e mais enquanto o céu totalmente fechado e escuro inciava seu processo de abertura para o dia que chegava de mansinho. caminhei muitas vezes absorta em meus próprios pensamentos e ruminações a cerca da vida e de como eu chegara até ali. algumas vezes observava o grupo que parecia tão distraído quanto eu mesma estava. alguns enlouquecidos com suas máquinas e aparatos de fotografias me faziam me arrepender de não ter trazido a minha. tudo o que via era belo. o mundo inteiro estava branco. areia e mais areia, vento forte carregando as dunas de um lado a outro. o chão parecia mover-se sob nossos pés...
muitos quilômetros adiante, a paisagem seca e inóspita do deserto dá lugar a uma visão mais branda, viva e verde. foi quando nos aproximamos da lagoa da mangueira. um enorme manancial de água da chuva, represada entre as areias do deserto do Albardão. tamanha magnitude aquática trouxe água de volta aos cantis, já secos, e a possibilidade de descansarmos um pouco, revigorando pés descalços agora dos tênis pesados e insuportáveis pelo peso das areias que se iam acumulando. muitos aproveitaram para molharem pés, pernas e até o corpo, sentindo a fofura da terra macia abaixo de nossos pés. eu me perdi naquele horizonte sem fim imaginando quantas pessoas realmente já haviam vislumbrado tamanha beleza, num canto de mundo onde parecia não chegar realmente ninguém...
chegáramos, então, a um terço de nossa jornada.... dali partiríamos para mais quase oito quilômetros de caminhada de volta ao deserto, em direção às árvores centenárias, onde na noite anterior deveríamos ter acampado. procurei-as com os olhos nus e o que vi foram duas pequenas ramificações, mal sendo vistas da distância de onde estávamos às margens da lagoa. pareciam, de fato, duas minúsculas moitas perdidas naquele deserto enorme de meu deus - seguimos andando! a estas alturas havia comido metade do meu pacote de bolachas e o 'polenghinho' jogado no fundo de meus bolsos repletos de areia. resolvi economizar um pouco mais a água. até então o longo percurso de deserto não nos havia intimidado. não deveriam ser nem mesmo nove horas da manhã e já nos sentíamos tendo vencido o deserto. mal sabíamos que nossa jornada mais árdua de verdade ainda nem começara! ao iniciar a caminhada na direção das árvores, senti o vento soprando bem mais forte e cortando meu rosto quando eu decidia olhar para a frente. ainda havia nas imediações muita vegetação, plantas, espécies animais como girinos, sapinhos, ovos de lagartos, pássaros coloridos e sinais claros de capivaras ou algum outro animal maior, cujas fezes se acumulavam por toda a parte. a distração não me deixou perceber que o vento beirava a níveis bem mais altos, tendo eu percebido estar realmente incomodada apenas quando já estávamos chegando às figueiras centenárias e suas enormes raízes. duas árvores robustas, frondosas e exuberantes se estendiam sob nossas vistas cansadas do vento, com sua solidez e magnitude, exibindo-se como senhoras absolutas naquela imensidão de nada...
e, neste momento, ao alcançarmos as duas árvores gigantes, o tempo mudou! já encolhidos debaixo de suas copas enormes, ou deitados a descansar sobre suas generosas raízes, percebi que a chuva aumentava conforme aumentava de velocidade o vento que nos acompanhara até ali. e foi somente ao tentar andar contra ele, no caminho que seria todo de volta ao farol, que percebemos o quanto havíamos de fato caminhado e o quanto havia ainda por andar. ideia do tempo não tinha nenhuma. o que sei é que a cada passo andado em direção ao farol no retorno, dois passos pareciam estar sendo dados para trás, impulsionados pelo esforço que nossos corpos precisavam fazer para vencer as dunas. o início, embora difícil, foi caminhado em silêncio total. sabíamos que não tínhamos mais água, praticamente, que havíamos comido tudo que leváramos e que a volta se apresentava bem mais dura do que a ida até ali. ventos de aproximadamente quarenta/cinquenta quilômetros por hora nos empurravam na direção contrária a que precisávamos andar e a chuva começava a castigar nossos corpos molhados e agora, mais do que antes, bastante cansados. cabeças baixas, cajados fincados no chão (para quem os tinha - não era o meu caso), tênis recolocados nos pés molhados e repletos de areia, tocas e chapéus voando sem controle, olhos praticamente fechados durante o caminho por ser impossível mantê-los abertos diante daquela tempestade que se formava nas areias ... assim era o quadro que pintamos no caminho de volta ao farol. de verdade, de tempos em tempos, eu me atrevia a olhar vez ou outra para trás, apenas para ver as figueiras se distanciando mais e mais e, muito raramente para frente, na esperança de avistar algum sinal do farol adiante. o que via era apenas mais areia, meus companheiros solitários em suas cabeças abaixadas e de novo mais areia. andávamos sempre atrás de nossos guias. eles eram nossas bússulas e nossas direções.lembro de ter ficado um pouco para trás em um determinado momento e pensado: 'como saberia para onde ir, caso , porventura, viesse a perdê-los de vista?'; de fato não saberia! assim, só me restava andar e tentar não perder o ritmo, embora sentisse que a falta d'água e a preocupação com os parceiros que começavam a ficar para trás, começaram a tomar conta de meus pensamentos. eu já caminhava apenas pela chegada. embora dissesse a mim mesma que logo chegaríamos, isso parecia cada vez mais longe de acontecer. vi que dois de nosso grupo se distanciavam ficando cada vez mais para trás e percebi que estavam em apuros. creio que àquelas alturas muitos também já haviam percebido, pois seguidamente sugeriam pararmos para esperar por eles. o retorno que deveria ser de mais oito quilômetros e percorridos em talvez até mais duas horas acabou se arrastando para muito mais que isso. simplesmente um de nós estava exausto. e seu ritmo acabou ditando o ritmo do grupo que caminhava muito mais lentamente, esticando a perspectiva de, em algum momento, avistarmos o farol novamente. tudo o que eu queria era que chegássemos todos e bem. isso parecia cada vez mais distante de acontecer. chegaram notícias de que nosso companheiro que parecia exausto não só estava mesmo exausto como estava sem água nenhuma. outro de nossos amigos, que provavelmente estava em muito melhores condições que os demais, caminhou de volta até eles e levou-lhes sua água. esperamos mais um pouco e eles reiniciaram a trilha. mais adiante, nova parada. assim caminhamos os quilômetros que faltavam até finalmente avistarmos o farol. infelizmente os olhos chegam mesmo muito antes do que as pernas. faltava muito ainda. lá pelas tantas o grupo se dissipou. sem informações, metade de nós seguia um dos guias que disparou à nossa frente, enquanto outros se guiavam pelos passos mais lentos da guia de trás; que estacava a cada metro à espera dos que estavam com dificuldades lá atrás. e nós, sem entender para que lado ir, ou qual guia seguir, estancamos exaustos já, sentados em dunas à espera de ordens de comando. para encurtar, conto aqui que esta ordem chegou finalmente nos dizendo que seguíssemos com o guia da frente, tentando alcançar o farol, pois outras medidas de resgate pelas areias da praia seriam realizadas a fim de trazer um pouco mais de alívio aos companheiros muito cansados que haviam ficado para trás. entendida a missão, colocamos mais fogo em nossas canelas e partimos, sem olhar mais para trás, rumo ao farol; apenas torcendo para que os colegas de jornada cumprissem sua saga e conseguissem o que haviam planejado, chegar à praia e aguardar o carro de resgate que voltaria para buscá-los. neste momento, percebi o quanto estávamos solidários e unidos pelo bem de todos. o quanto cada um de nós fazia o que era preciso para que todos e cada um chegássemos bem ao nosso destino. uma das colegas de grupo precisou de uma bala para evitar uma hipoglicemia. outro que não suportava mais andar recebeu a solidariedade de mais dois ou três que se revezavam na espera uns dos outros a fim de servirem como sinalizadores do novo caminho. outra menina que havia levado em sua mochila mais comida do que todos nós, alimentou a todos com seus amendoins, biscoitos e frutas, servindo como carro de apoio até mesmo para nosso guia. água acabou sendo distribuída a todos os que precisavam por aqueles que ainda tinham alguma em seus cantis. sentinelas voluntários se disponibilizaram a esperarem uns pelos outros. eu revezava com outro companheiro os tênis deixados de lado pelo parceiro que havia ficado para trás, bem como a mochila com os restos de cascas e alimentos que uma de nós não aguentava mais carregar.... e assim, todos íamos nos ajudando de tempos em tempos até todos chegarmos bem, felizes, cansados, aliviados mas principalmente, repletos de histórias para contar. a notícia ao chegarmos era de que o mar havia subido muito com a mudança do tempo e de que nós realmente não teríamos como partir naquele mesmo dia, como estava programado. cansados e vencidos pela força da natureza percebemos que dormiríamos uma noite a mais no farol... passaríamos uma Páscoa no Albardão... e assim foi !!!